segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Crise e excesso de reservas aceleram valorização do yuan

Por: Cláudia Trevisan / O Estadão

A crise da dívida norte-americana deu um sentido de urgência ao projeto de reestruturação da economia chinesa e colocou no centro do debate a questão da apreciação do yuan, que deixou de ser um tabu e passou a ser defendida abertamente por inúmeros economistas, incluindo vários ligados ao governo.

A mudança no câmbio é considerada essencial para colocar fim ao processo de acumulação de reservas pela China, que já gerou uma montanha de US$ 3,2 trilhões, valor que supera todo o PIB brasileiro. A administração desses recursos se tornou delicada depois da redução da nota de crédito dos Estados Unidos pela agência de classificação de risco Standard & Poors, no dia 5 de agosto, e a perspectiva de desvalorização persistente da moeda norte-americana.


Pequim é o maior credor de Washington, com pelo menos US$ 1,16 trilhão em títulos do Tesouro. Analistas estimam que 70% dos US$ 3,2 trilhões de reservas estão investidos em ativos denominados em dólar, cujo valor relativo seria reduzido na hipótese de depreciação da moeda. Com o agravamento da crise da dívida na Europa, há poucas opções seguras e líquidas para a China aplicar sua crescentes reservas. A saída é reduzir seu ritmo de acumulação. Para que isso aconteça, é necessário que o banco central restrinja as compras de dólares, euros ou ienes que entram no país, movimento pelo qual evita a apreciação do yuan. A moeda mais valorizada diminuiria o superávit comercial, em razão da queda nas exportações e aumento das importações, o que também amenizaria a pressão sobre o banco central provocada pela entrada de recursos externos no país.

A especulação em torno do aumento no ritmo de valorização do yuan ganhou força no fim da semana, depois de o banco central ter empurrado a cotação em relação do dólar para patamares recordes por três dias seguidos. Na sexta-feira, o yuan chegou a alcançar 6,3890 por US$ 1,00, encerrando uma semana na qual a apreciação foi a maior desde que o governo voltou a permitir a alta da moeda, em meados de 2010. O Diário do Povo, jornal oficial do Partido Comunista, publicou texto na sexta-feira no qual cita “analistas” para dizer que a China aceitará uma apreciação mais rápida do yuan, medida que também levaria à redução no fluxo de capital especulativo para o país e facilitaria o combate da inflação.

A grande questão é o ritmo no qual a valorização ocorrerá. Tudo indica que Pequim manterá a opção pelo gradualismo, ainda que menos lento. O problema é que isso pode funcionar como estímulo para o aumento do fluxo de capital especulativo, já que os investidores apostariam na apreciação futura do yuan. Nesse cenário, as reservas continuariam a se acumular, pois haveria elevação da quantidade de recursos externos que entram na China. Outro dado que esquentou o debate foi o inesperado superávit comercial de US$ 31,5 bilhões de julho, o maior em dois anos. Para muitos, ele é um indício de que a China tem espaço para apreciar sua moeda mais rapidamente.

Dong Tao, economista-chefe para a Ásia (menos Japão) do Credit Suisse, afirma que os líderes chineses adotaram a decisão de internacionalizar o yuan depois da quebra do Lehman Brothers, em setembro de 2008. No início de 2009, o presidente do banco central, Zhou Xiaochuan, defendeu a substituição do dólar como moeda de reserva global e ampliação do uso do yuan fora das fronteiras do país. Essa mudança reduziria a dependência da China _e do mundo_ dos investimentos em dólar. Mas para que isso ocorra, o yuan tem de ser uma moeda conversível, o que é impossível dentro do regime de câmbio atual, determinado pelo banco central. Mas Dong ressalta que a mudança não pode ser feita rapidamente e continuará a obedecer ao ritmo ditado pelo governo chinês.

Zhang Lei, analista da Minsheng Securities em Xangai, defende a mudança no regime cambial como medida necessária para reduzir a pressão da acumulação de reservas e acelerar a transformação do modelo de desenvolvimento do país, com redução dos investimentos e aumento do consumo. Em entrevista ao Estado na semana passada, o diretor do Centro de Pesquisa em Reservas Internacionais da Universidade Central de Finanças e Economia de Pequim, Li Jie, afirmou que o rebaixamento dos EUA pela Standard & Poors colocou em xeque a arquitetura econômica internacional que prevaleceu na última década, pela qual a China poupava e os Estados Unidos gastavam. O câmbio desvalorizado era um dos elementos da equação, que permitia aos chineses exportarem para os norte-americanos, acumularem reservas e usarem esses recursos para financiar o déficit de Washington. “Esse modelo podia ser mantido enquanto os Estados Unidos provessem o mundo com débito seguro, mas isso deixou de existir”, disse Li, para quem a apreciação do yuan é essencial para mudança desse cenário.

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