segunda-feira, 25 de julho de 2011

A nova regulamentação do procedimento especial de controle aduaneiro (IN/RFB 1.169) cria risco maior aos importadores: A revogação da IN/SRF 206/02

Por: Felippe Alexandre Ramos Breda


A edição da IN/RFB 1.169, em 29 de junho de 2.011, publicada no DOU de 30.06.2.011, com vigência imediata, aplicando-se aos Procedimentos em curso, pois norma procedimental, revoga a famigerada IN/SRF 206/02.


Da leitura da nova IN 1.169, observam-se mudanças relevantes que reclamam cuidados. Assim, sem pretensão alguma de se esgotar ou pontificar o assunto, tamanha a complexidade do tema, chama-se atenção às novidades.


Inicia-se com a velha máxima, já em desuso, de que os regulamentos, instruções normativas e congêneres hão de servir apenas para o fiel cumprimento das Leis (STF-ADIn 536/DF). Assim, não podem inovar a ordem jurídica, diante da tipicidade fechada que vige em matéria aduaneira/tributária. Também não podem repetir a legislação sobe pena de inocuidade; haverão, pois, de disciplinar o fiel cumprimento das Leis em atenção aos princípios da legalidade e da igualdade, razões maiores da existência do poder regulamentador do Executivo.

Esse era o motivo para Pontes de Miranda clamar a Portaria como "ato voltado ao porteiro", e o pranteado mestre Geraldo Ataliba afirmar que inexiste em nosso ordenamento regulamento autônomo, quiçá sanção sem previsão legal (in, República e Constituição, 2ª ed., 3ª tiragem atualizada por Rosolea Miranda Folgosi, ed. Malheiros, pág. 132 e segs.).

Contudo, nossa atual cultura jurídica impõe a observância das Instruções Normativas e Portaria como verdadeiras Leis. Não se compactua com esse entendimento. Excessos verificados na nova IN, contrários à Lei, devem ser submetidos ao crivo da legalidade.

Aos que se perguntam se seria legal a edição de IN para regulamentar Procedimento Aduaneiro Especial, esclareça-se que o art. 68, da Medida Provisória nº 2.158-35, de 24.08.2001, vigente por força do art. 2º, da EC 32/01, concede essa autorização.

A nova IN 1.169 repete o objeto da anterior (art. 1º), determinando que o Procedimento Especial de Controle Aduaneiro tenha vez em qualquer operação de Comércio Exterior que apresente irregularidade punível com a penalidade de perdimento. Contudo, as conseqüências do aludido procedimento especial espraiam-se em vários campos (administrativo, penal, tributário), demonstrando o seu rigor (arts. 4º, § 1º, 8º e 14º).

Sua instauração dar-se-á antes, durante o despacho, e após o desembaraço (art. 1º). Cada marco temporal delimitará a autoridade competente para o Procedimento. Ora a (i) autoridade com jurisdição sobre a (i.i) unidade de despacho e de (i.ii) trânsito aduaneiro. Ora a (ii) autoridade com jurisdição sobre o estabelecimento do importador, em casos de desembaraço (revisão aduaneira), sem prejuízo de que o Procedimento inicie-se (iii) por ordem emanada pela Coana (Coordenação-Geral de Administração Aduaneira).

A possibilidade de o Procedimento Especial ocorrer durante o Trânsito Aduaneiro teve regramento próprio e acaba com as discussões que existiam nesse tema, se cabível ou não a instauração do aludido Procedimento durante o Regime Especial de Trânsito Aduaneiro (art. 2º, § 3º, inciso III).

Recorde-se que a IN 206, ora revogada, transbordava, comumente, em discussões sobre (i) o perdimento em situações não autorizadas em lei, a exemplo do (i.i) subfaturamento do valor aduaneiro (o DL 37/66 e a MP 2.158-35- art.88- prevêem multa em 100% do valor); e (i.ii) a errônea classificação fiscal; (ii) o prazo do procedimento e retenção das mercadorias, em 90 dias, prorrogável por igual período; (iii) a exigência de garantia para a liberação, em existindo divergência quanto ao valor aduaneiro e não verificada fraude (§1º, do art. 49 e o par. único do art. 69 da IN 206).

A nova IN 1.169 realça os pontos de discussão acima sob prismas diferentes.
O ilegal perdimento em caso de subfaturamento foi preservado (art. 2, inciso I), pois a falsidade ideológica de qualquer documento apresentado em despacho acarretará o perdimento (Fatura Comercial e Declaração de Importação), em contraposição ao DL 37/66, o art. 88 da MP 2.158-35/01, e a jurisprudência.

Assim, novamente ter-se-ão discussões se a mera divergência do valor aduaneiro (constante da fatura ou da DI), sem imputação de fraude, caracteriza ou não a subavaliação da base de cálculo com vistas ao menor pagamento de tributos (falsidade ideológica e descaminho). Crê-se que o Judiciário continuará a recepcionar inúmeros pedidos quanto ao tema, de flagrante ilegalidade.

O debate da errônea classificação fiscal continuará, pois o erro de classificação fiscal acarreta multa de 1% (art. 84, da MP 2158-35/2.001, e art. 711, I, do Dec. 6.759/09) e de 75% pela diferença de tributos (art. 725, I, do Dec. 6.759/09). Logo, aguardam-se longas discussões se o erro foi proposital (falsidade ideológica), sujeito ao perdimento, ou acidental, passível de correção.

A questão do prazo do Procedimento Especial é outro ponto de conflito. Apesar de ter sido considerado legal pela jurisprudência, na vigência da IN 206, o prazo de 90 dias, prorrogável por igual período, sua contagem, termo final, suspensão e afins desembocavam em grandes discussões judiciais.

A nova IN 1.169 disciplinou a suspensão e contagem (art. 9º, ° 1º), de todo salutar. Contudo, indaga-se se os estimados 180 dias não durarão até um ano, com vários novos debates sobre as regras de suspensão e contagem. Crê-se que sim.

A possibilidade de garantia para liberação da mercadoria, em existindo divergência quanto ao valor aduaneiro e não verificada a fraude, foi abolida. Discutia-se essa exigência, já que inciso II, do art. 80, da MP 2.158-35/01, condiciona a entrega de mercadorias, em caso de o valor das importações for incompatível com o capital social ou o patrimônio líquido do importador ou do adquirente.

Àqueles que entenderem salutar a prestação de garantia em tal situação, o farão em juízo, como previsto pela atual lei do Mandado de Segurança, que disciplina essa questão para toda e qualquer medida judicial discutindo liberação de mercadorias, à exceção de medida cautelar.

Na seqüência da sistematização da nova IN 1.169 (§ 1º, do art. 2º), nota-se afronta à metodologia do AVA-GATT (Acordo de Valoração Aduaneira), pois o procedimento especial cria situação de inversão do ônus probatório pela simples dúvida da fiscalização. Não se compactua com essa disposição, pois a regra é a boa-fé se presumir e a má-fé se provar. O aludido dispositivo replica as regras de valoração aduaneira, mas em procedimento especial, o que prova a sua impropriedade.

Os casos de triangulação (circumvention), atual preocupação das autoridades, têm regra para verificação da origem, de todo salutar (§ 2º do art. 2º).

A nova IN 1.169 regula a questão da interposição de pessoas e prevê o que ocorria na prática, i.e., o procedimento especial em debate pode determinar a instauração de outro, o da IN/SRF 228/02 (verificação da origem dos recursos aplicados em operações de comércio exterior e combate à interposição fraudulenta de pessoas), que poderá ser iniciado pelo que ali vier a ser apurado, com previsão de representação à autoridade competente (art. 8, c/c art. 2º, IV e V, e § 3º do art. 2º).

Outra prática agora regrada é a possibilidade de o procedimento especial da IN 1.169 culminar em fiscalização de irregularidade dos tributos internos, objeto de competente representação, a fim de se apurar se foram omitidos (art. 14).

As disposições atinentes ao endosso do conhecimento de carga (BL) e à fatura comercial são de discutível legalidade, pois permitem a presunção de infração das mais graves (interposição de pessoas). E fora isso, porque a primeira restringe à possibilidade de endosso e portabilidade ao BL, e a segunda ao prever situações apenadas com multa (art. 2º, § 3º, incisos IV, V e VI).

A quebra de sigilo fiscal, tema dos mais controvertidos, cujo pedido de extratos bancários era comum na IN 206, agora exige o competente pedido de Requisição de Movimentação Financeira (RMF). Ressalte-se, apenas, que essa questão pende de decisão definitiva e vinculante no STF (RE nº 389.808-PR, rel. Min. Marco Aurélio, j. 15-12-2010 e AC 33 MC/PR). Assim, a todos é dado o direito de não se incriminarem, sem que isso caracterize o embaraço à fiscalização do art. 11 e par..

Desta forma, resta claro que, mais do que nunca, os importadores precisarão de assessoria em suas operações de comercio exterior, a fim de evitar prejuízos irreversíveis e os riscos demonstrados com a publicação da nova norma, extremamente polêmica.

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