segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Interposição Fraudulenta

Por Sidnei Lostado / PortoGente 

Mesmo com o crescimento da economia brasileira ocasionando mudanças quantitativas e qualitativas no comércio exterior nos últimos anos, a importação ainda é um importante foco de restrição ao desenvolvimento econômico, e ocorre, em parte, por causa da fiscalização das mercadorias que ingressam no País.

A rigor, todos os países realizam grandes controles em suas importações, mas os trâmites burocráticos e prazos adotados é o que diferencia país de país, e no caso brasileiro, a conjuntura específica imposta pela interposição fraudulenta pode trazer vários prejuízos além da perda da mercadoria.


Assim como as demais restrições, a interposição fraudulenta está presente na legislação aduaneira – determinada no parágrafo segundo do artigo 59 da Lei Federal 10.637/02, que alterou o art. 23 do Decreto-Lei 1.455/76, e diz: “§ 2º Presume-se interposição fraudulenta na operação de comércio exterior a não-comprovação da origem, disponibilidade e transferência dos recursos empregados.”

Portanto, a interposição fica configurada em duas situações: quando o importador utiliza sua empresa para encobrir o real adquirente da mercadoria ou quando não comprova a origem do dinheiro e sua disponibilidade no momento da importação, o que não se trata necessariamente de patrimônio e sim de liquidez de moeda para a consolidação do negócio.

A questão é que tão logo a Autoridade Aduaneira suspeite que o importador se enquadra em uma das duas situações, já retém sua mercadoria, pois a pena para tal infração é justamente a de “perdimento da mercadoria”, conforme impõe o parágrafo primeiro da mesma lei: “§ 1º O dano ao erário decorrente das infrações previstas no caput deste artigo será punido com a pena de perdimento das mercadorias”.

Mas para poder aplicar o perdimento da mercadoria, a Autoridade Aduaneira antes precisa realizar um procedimento investigatório que comprove a fraude, executado por um grupo de inteligência da Alfândega, diante do qual o importador é intimado a apresentar uma série de documentos na promessa velada de que, se contribuir com a autoridade, a carga será liberada.

O procedimento investigatório é de 90 dias, podendo a Autoridade ainda requerer, após esclarecer seus motivos, mais 90 dias de retenção da mercadoria, ou seja, o procedimento administrativo para investigar a interposição fraudulenta é de no máximo 180 dias, devendo a mercadoria ser liberada imediatamente vencido esse prazo.

A retenção da mercadoria após este período não constitui mera irregularidade, mas violenta e cruel ilegalidade, não podendo no Estado de Direito ser permitida qualquer violação a lei, fato que não pode ser desprezado pelo Poder Judiciário. Prazo é prazo e não há palavras inúteis na legislação.

Observa-se ainda que, durante o procedimento investigatório, devem ser entregues à Autoridade Aduaneira apenas documentos que tenham relação com a importação submetida ao despacho, lembrando que o direito à privacidade de dados está previsto na Constituição Federal. Este fato é importante porque, não raro, a fiscalização determina a entrega de importações passadas, bem como pede vistas aos extratos bancários do importador e do despachante aduaneiro.

Embora a exigência de alguns documentos seja absurda e completamente ilegal, a partir do momento que eles são entregues pelo contribuinte, qualquer ilegalidade do ato é afastada e dá à Fiscalização o direito de examinar tais provas com tranqüilidade, podendo extrapolar o prazo de 180 dias. Portanto, o contribuinte deve sempre entregar apenas os documentos amparados por lei e não outros – mesmo que tenham sido solicitados pela autoridade fiscal - nem que seja necessário o ingresso ação judicial para impedir a fiscalização de agir contra a lei.

Por tudo isso, a fiscalização aduaneira deve ser assistida por um profissional habilitado, o que garantirá a legalidade do procedimento administrativo e evitará outros problemas além da perda da mercadoria. Finalizada a investigação, a Autoridade Fiscal lavrará um auto de infração, intimará o importador a realizar sua defesa e então enviará o processo a um órgão julgador que poderá proceder de duas maneiras: liberando a mercadoria porque os documentos entregues à fiscalização – e amparados por lei – demonstraram a inexistência de interposição fraudulenta; ou determinando o perdimento da carga e, sendo o caso, expedindo ofício ao Banco Central, caso haja início de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores, além de representação fiscal para fins penais, caso fique caracterizada simulação e falsidade ideológica ou material dos documentos apresentados.

* Sidnei Lostado é advogado especializado em Direito Marítimo, Aduaneiro e Portuário. Mestre em Direito e professor universitário e de Pós Graduação da Unimonte, em Santos. E-mail: lostado@lostadocalomino.com.b

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