sábado, 19 de fevereiro de 2011

Já comprou um produto chinês chamado "esfaqueamento"?

Por Catarina Nunes (www.expresso.pt)

Entre 2006 e 2010 ASAE identificou 211 casos relacionados com a tradução incorreta de artigosde origem oriental. 'Afunde coadores' e 'esfaqueamento' são alguns dos produtos comercializados.

São muitos os produtos fabricados na China que se encontram à venda em Portugal

Pegar em alguns produtos fabricados na China pode assemelhar-se à experiência de descodificar uma charada. A legislação portuguesa impõe que os rótulos e instruções estejam escritos em português. O problema é que, nestes produtos, a ordem escolhida para as palavras resulta numa sucessão de frases que são, no mínimo, absurdas, muitas vezes incompreensíveis.

Maria Lourenço, 69 anos, comprou uma lanterna numa loja chinesa. Mas quando foi para a usar teve de pedir ajuda aos filhos. É que o texto das instruções era incompreensível: "5 extremista L.E.D. luminoso's para luz luminosa super elegante contudo designio robuto faz isto ideal para atividades ao ar livre, auto e emergencias de casa 1 minuto vento-para cima gera 30 atas de iiimination luminoso continuo duas colocaçoes de brilho ao trinco de um botao leia as instruçoes no contrario e tenha um va! Luz de flash de mão tremor".

Este é apenas um dos muitos produtos fabricados na China que se encontram à venda em Portugal. Questionada sobre estes casos, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) não responde concretamente sobre estas situações. Remete para os dados referentes à "atividade sobre operadores e produtos de origem oriental". Entre 2006 e 2010 houve um total de 3061 inspeções, das quais 827 no ano passado e 262 no primeiro ano do período em análise.

Foram identificadas 1608 infrações, das quais 211 relacionadas com falta ou inexatidão de traduções. Todos esses produtos terão sido apreendidos.


Comércio do absurdo

Um saco de abraçadeiras de plástico ostenta a denominação 'esfaqueamento'. Uma lanterna passa a 'multifuncional de Branco levou a cabeça leve'. Um conjunto de um ralo de lava-loiça, com respetiva tampa e um dispersor de água é comercializado como 'bateria de cozinha - afunde coadores'. O mais curioso é a fotografia escolhida para ilustrar a embalagem: um homem a abrir um buraco no chão, onde coloca o ralo.

Contactadas pelo Expresso, as empresas importadoras dos produtos identificados não prestaram declarações, por não se encontrar ninguém que falasse português ou inglês. Apesar de terem o mesmo endereço fiscal, em Lisboa, a Ante - Comércio Internacional e a Gigastar Comércio Internacional são detidas por sócios diferentes, chineses em ambos os casos.

Y Ping Chow, presidente da Liga de Chineses em Portugal (que representa seis associações chinesas), aponta o desconhecimento da língua portuguesa como a principal limitação dos empresários que operam no país. "Não conheço essas situações de má utilização do português, mas também são as empresas que importam esses produtos que têm de responder por isso", sustenta Y Ping Chow.

O presidente da Liga de Chineses em Portugal aponta como principal incumbência da Liga a intermediação dos contactos entre os empresários chineses e as entidades oficiais. É que a maioria das situações de ilegalidades ou incumprimento têm que ver com desconhecimento das leis e da língua portuguesa.

Para Y Ping Chow, este tipo de tradução poderá dever-se ao recurso a tradutores automáticos que se encontram na Internet. E à total ausência de leitura prévia por parte de alguém com conhecimentos rudimentares de português.

Aliás, o recurso a este tipo de ferramenta e a não utilização de tradutores profissionais é um dos aspetos que permite que os produtos fabricados na China cheguem às mãos dos consumidores a preços imbatíveis. Vale a pena pagar esse preço?

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